Bengala na mão e em meio círculo, os visitantes se organizam. Na antessala da exposição Diálogo no Escuro, que ocupa um dos espaços do Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro, logo após uma breve explicação de segurança, em que celulares e objetos luminosos devem ser desligados ou guardados num locker, começa a imersão na escuridão.
Passo a passo, sempre em frente, em fila indiana, tateando as paredes, a claridade fica para trás, dando lugar ao breu. Nem um palmo à frente: esse é o grau de visibilidade ao longo dos 45 minutos da experiência.
Não é um percurso só, autoguiado. Além dos companheiros do grupo, que pode ser composto por até dez pessoas, há um guia que atribui significado a cada ação.
O primeiro som que quebra as sensações despertadas pela ausência de luz é a voz humana. É por meio dela que o guia se faz presente. A essa altura, não ainda para o diálogo que dá nome à exposição. No começo do percurso, são as instruções dele que, aos poucos, avivam nos visitantes o senso de pertencimento.
É relevante saber: os olhos que guiam são olhos que quase – ou, de fato – não veem, nem na escuridão, nem na luz.
No escuro total, são os guias cegos ou pessoas com baixa visão que orientam os visitantes, ao mesmo tempo em que compartilham um recorte da realidade diária, ao conduzir os grupos por cenários compostos por elementos que provocam os outros sentidos.
A tensão do desconhecido é substituída pelo desabrochar das sensações: o vento no rosto vira mecanismo de teletransporte, carrega o imaginário para uma atmosfera desenhada pelo som dos pássaros e textura das cordas ou corrimãos que levam adiante, por terrenos pouco regulares ou previsíveis.
Pelo Rio
Gradativamente, as pistas cantadas pelo guia ajudam a compreender o cenário.
Tem árvores, plantas, água, rua, carros, letreiros. Os pontos turísticos famosos são recriados pelo tato. As mãos, até então desacostumadas com o sentir desbravador, viram tradutoras de detalhes habitualmente lidos por cérebros acostumados a lançar – sobre a beleza do dia a dia – o olhar automático que deixa passar despercebido a complexidade das coisas simples, como uma expressão esculpida numa estátua.
A dificuldade ao atravessar uma rua imaginária traz a reflexão sobre a mobilidade urbana, afinal, como um cego, sozinho, se localiza sem um sinal sonoro?
Se cruzar uma ponte num ambiente controlado parece desafiador, quem dirá caminhar por calçadas quebradas, atravessadas por troncos de árvores, estreitas e sem rampas de acessibilidade.
Antes mesmo do término dos 45 minutos, a certeza ressoa: acessibilidade não é sobre normas de construção, mas sobre garantia de igualdade a todos os cidadãos.
Diálogo no Escuro
As dúvidas que se empilham a cada minuto vivido no escuro têm hora para acabar. O momento que empresta à exposição o nome é o mesmo que coroa a grandiosidade da experiência.
O diálogo no escuro é permeado pela sinceridade. Ali, desnudos de pudores sociais, os visitantes se sentem confortáveis para perguntar. Tudo. Qualquer coisa.
E, nessa troca, Luciano se apresentou. Dono de olhos que funcionaram plenamente até os 24 anos, ele viu a meningite tirar grande parte da visão. Diagnosticado com baixa visão, hoje, aos 41, concluiu que ressignificou o que vê.
“O que você passou a ver depois que deixou de enxergar?”, questionei.
A resposta foi uma vida ativa. Uma vida que merece ser vivida. Distante de um lugar de dúvidas, ele trouxe a certeza das escolhas. Depois que a visão se foi, o atletismo veio: e, assim, ele pedala pelo Rio de Janeiro – alheio à dificuldade de compreensão de quem o vê.
Exposição
A exposição “Diálogo no escuro” foi criada em 1988 e, desde então, já foi apresentada a visitantes de 47 países e 170 cidades. Nesse momento, a exposição pode ser conferida – simultaneamente – em 25 locais, dois deles, no Brasil:
- Rio de Janeiro | Museu Histórico Nacional
- São Paulo | Unibes Cultural
No Rio de Janeiro a entrada é gratuita. Os ingressos são limitados e organizados por ordem de chegada.
A exposição pode ser conferida às quintas e sextas-feiras das 10h às 16h e, nos sábados e domingos, das 11h às 16h e está disponível até dia 30/7.
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