“Juscelino-falava-português-espanhol-inglês-francês-e-latim”, disparou a falar com o inconfundível sotaque baiano. Depois de uma imperceptível pausa para respiração, emendou: “Era-médico-urologista-cirurgião. Filho-de-pessoas-humildes. Foi-usar-o-primeiro-calçado-aos-12-anos-de-idade”.
Entre incontáveis livros, ao lado da única coleção de Shakespeare (daquelas) no mundo – eram duas, a outra se foi com um incêndio no Palácio de Buckingham – era o discurso de Euricles que se destacava. As palavras apressadas davam vida à biblioteca, no Memorial JK, em Brasília.
Euclides tem pressa: a rapidez das informações era proporcional à vontade de compartilhar todo o conhecimento enquanto eu estivesse no recinto. Não demorou muito para notar… É que as pessoas não param muito por ali. Uma paradinha, uma foto e seguem o passeio. Aí, foi preciso desenvolver a habilidade de narrador-de-partida-de-futebol para conseguir impressionar os visitantes com o conhecimento adquirido ao longo dos 36 anos de casa. Mas, não impressionar do jeito menos digno da palavra. Impressionar do jeito que ele se impressionou quando começou a trabalhar ali. Euclides conheceu dona Sarah, os netos e bisnetos de Juscelino. Desembarcou em Brasília no dia primeiro de Setembro de 1981. Onze dias depois participara da inauguração do Memorial JK.
Quem ouve a apresentação e vê o orgulho do baiano, não imagina que antes de chegar a esse contato com o público, o, hoje, recepcionista passou pelo setor da limpeza e foi motorista. Nesse período acompanhou reformas e eventos importantes. Ele lembra, aliás, de detalhes do dia mais importante do memorial. “Tiraram ele do cemitério, colocaram no segundo caixão, levaram pro salão negro do Congresso, foi velado e no outro dia veio o cortejo”. E, por quê?! “Ele fundou Brasília, foi exilado e quando voltou para o Brasil, proibiram ele de vir pra cá, mas pediu pra ser enterrado na capital que fundou”, explicou, com a certeza como se tivesse ouvido o pedido do próprio presidente.
Preocupado em garantir registros com sorrisos genuínos, Euclides se oferece para tirar as fotos, posiciona os visitantes e tem uma série de palavras que provocam risos conforme o estado. “Ah! É paranaense?! Então vamos lá! Leite-quente-pinhão+insira-aqui-o-máximo-de-palavras-associadas-ao-Paraná-que-conseguir”. Risos conquistados.
Dos fatos que conectam sua história à do memorial, está a visita da primeira-dama americana, Laura Bush, em 2005. Veio para uma palestra (uma mesa redonda com professores de inglês).
– Ela respondeu às perguntas de todos os jornalistas.
– E como você sabe disso?!
– Ah, eu estava a trabalho, mas vi tudo.
Nada passa despercebido ao olhar atento de Euclides. De Morro do Chapéu, no sertão da Bahia, mantém os inseparáveis “oxente, mainha e painho” e a capacidade de se alegrar com as sutilezas do cotidiano. Dos elogios que já ouviu ao museu, compartilhou, orgulhoso, o favorito:
– Você fala inglês?! Esses dias, um americano disse: “Excelent museum! Very good!!”. O pessoal adora!
Era hora do intervalo, mas Euclides não saiu sem antes mostrar o gabinete de dona Sarah, aberta para visitação após a morte dela (mudança feita em uma das primeiras reformas, explicou). Um comentário sobre o prédio do Catetinho, uma explicação sobre a arrecadação de fundos para a construção do memorial, uma orientação sobre o restante do museu e ele foi descansar.
Se Juscelino estivesse vivo, faria questão de avisar: das preciosidades do museu, das peças únicas, raras, exclusivas, nada impressiona mais que o amor de Euclides pelo Memorial, por Juscelino, por Sarah, por todos que passam por ali. Euclides faz da visita uma memorável lembrança.
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