A maior cidade da África do Sul, Joanesburgo escancara, edificada em ruas, vielas e construções, a história recente do país – de uma África rica e diversa, mas também segmentada e sedimentada em lutas sociais e raciais.
Durante 46 anos, o território e o povo sulafricano foram classificados por cor, numa divisão geográfica com áreas destinadas a negros – cujo acesso às demais regiões dependia da aprovação dos brancos, que à época representavam 20% da população.
Por quatro décadas, os não-brancos precisaram carregar consigo uma caderneta com informações pessoais que funcionavam como um passe – sem o qual não eram autorizados a transitar, sob a pena de irem para a cadeia. O Constitution Hill traduz, em visita guiada, a experiência das prisões divididas por cor de pele.
Toda viagem pela África do Sul precisa começar por Joanesburgo, cidade calada pelo Apartheid e que, hoje, grita em voz e cor, a cada monumento, os recortes fundamentais para compreender a nação que ganhou o mundo pelo discurso do vencedor do Prêmio Nobel da Paz, e presidente, Nelson Mandela.
À frente na luta pela igualdade racial, Mandela passou 27 anos preso antes de ser solto, se tornar presidente e declarar:
“Eu lutei contra a dominação branca e lutei contra a dominação negra. Eu tenho prezado pelo ideal de uma sociedade democrática e livre, na qual todas as pessoas possam viver juntas, em harmonia, e com iguais oportunidades. É um ideal pelo qual eu espero viver e que eu espero alcançar. Mas, caso seja necessário, é um ideal pelo qual estou pronto para morrer”.
Madiba resume, em si, mais do que a política, o retrato preto que o branco insistiu em imprimir como minoria, ao lado dos coloridos – ou, coloured people, como eram classificados todos os miscigenados que não se enquadravam no conceito da branquidão, que ocupava o topo de uma hierarquia invisível que o Apartheid instituiu.
De 1948 a 1994, a África do Sul foi, literalmente, dividida entre espaços destinados a brancos, pretos e coloridos. Entender isso faz toda a diferença ao visitar o país – que, menos de 30 anos depois, ainda batalha para se restabelecer, reestruturando as bases de uma sociedade não pensada para integrar.
E, nesse roteiro pelo país, não há cidade melhor que Joanesburgo para começar.
Compreendendo o destino | Joanesburgo
Em 2022, o Banco Mundial classificou a África do Sul como o país mais desigual do mundo. Economicamente falando, 10% da população detém mais de 80% da riqueza.
Num passeio por Joanesburgo, essa realidade se desenha nos bolsões de riqueza, imersos numa estrutura urbana que mescla edifícios históricos e modernos, com traços arquitetônicos feitos para impressionar.
É o caso de Sandton – um dos primeiros bairros que aparecem numa busca rápida sobre “onde se hospedar em Joanesburgo”.
A explicação é simples: o bairro é tido como seguro, concentra hotéis de rede com conforto e bom custo-benefício e apresenta um lado da cidade mais vendável turisticamente. Ali fica a Mandela Square, uma praça pública com uma imensa estátua do líder sulafricano e um centro comercial luxuoso, com lojas e restaurantes repletos de turistas.
Mas, para mergulhar na história e cultura do país, ao desenhar um roteiro por Joanesburgo, é necessário passar pelos locais onde a história se passou.
Soweto
A cerca de 30 km dali, está o Soweto – ou, South Western Townships, os bairros do Sudoeste -, uma cidade contígua a Joanesburgo, criada para alocar os negros no mesmo espaço físico, facilitando a administração.
Reduto da resistência anti-racista, o local concentra alguns dos principais atrativos turísticos e históricos da África do Sul, como o Memorial Hector Pieterson e a Casa de Nelson Mandela.
Morre uma criança, nasce uma revolução
O Memorial Hector Pieterson é parada que ajuda a compreender um dos episódios mais marcantes do Apartheid.
Indignados com a imposição do africâner – língua que tem origem holandesa – como a língua adotada nas escolas, em 1976, os estudantes do Soweto foram às ruas para reivindicar o direito ao aprendizado nas línguas nativas.
Durante a dispersão de um protesto estudantil, a polícia atirou e matou Hector Pieterson, um garoto de 12 anos que não participava da manifestação, mas que se tornou um dos maiores ícones da luta pela igualdade racial no país, ao ser fotografado baleado, nos braços de um amigo. Hector foi um dos 566 estudantes mortos nos protestos pelo país.
Foto | A foto de Sam Nzima virou a representação do Levante do Soweto, de 1976
- O Memorial e Museu Hector Pieterson fica na Khumalo Street, 8287, no Soweto.
- A construção fica há poucos metros de onde o confronto ocorreu.
- A visita é gratuita e, no local, há moradores que atuam como guias, recontando a história aos visitantes.
Museu do Apartheid
Pensado para impactar, o Museu do Apartheid convida à reflexão desde a compra dos ingressos – quando, ao acaso, são distribuídos tickets para brancos e não-brancos.
A experiência propõe vivenciar uma amostra do que era a segregação racial, que separava – literalmente – os indivíduos por cor, com espaços públicos, como praias, reservadas apenas aos brancos.
O museu é multimídia e interativo . Reconta a história ao mesmo tempo em que traz traços do momento presente, entrelaçando causa e efeito, desde a implementação do Apartheid até a luta pela liberdade e transição para democracia.
Nos visitantes, a informação é transformada em emoção – é impossível entrar e sair igual das exposições.
A entrada é paga e o espaço tem dias específicos de funcionamento. Visite o site oficial do atrativo para se programar.
Casa de Nelson Mandela
A casa onde Mandela morou – e para onde voltou, depois de 27 anos preso – é aberta para visitação, no Soweto.
Cativa na história de Madiba, a construção é mencionada na autobiografia, Long Walk to Freedom:
“Naquela noite voltei com Winnie para o número 8115 em Orlando West. Foi só então que soube no meu coração que tinha saído da prisão. Para mim, o número 8115 era o ponto central do meu mundo, o lugar marcado com um X na minha geografia mental.”
A opção de tour guiado dá mais significado à visita, que não demanda muito tempo no roteiro. Em menos de uma hora é possível contemplar a casa onde Mandela viveu – coincidentemente, na mesma rua de outro Nobel da Paz: Desmond Tutu.
Consulte as informações sobre dias, horários e valores aqui.
Kliptown
Conhecido por ser o local onde foi elaborada a Carta para a Liberdade, no Congresso do Povo, em 1955, o bairro é também um dos lugares mais pobres do país.
Enquanto o texto tornou-se a base para a nova Constituição da África do Sul, após o fim do Apartheid, a região segue vulnerável e invisível às autoridades. Num tour a pé pelas ruas do bairro, a realidade se impõe, revelando as fragilidades da economia desigual.
Para além do abismo social, há também beleza e felicidade. O responsável por conduzir o olhar e o tour pela região é o guia local Ntokozo Dube (TK) da TKD Tours.
Importante: faça o tour sempre acompanhado por um guia local.
Constitution Hill
Em outra região da cidade, em Hillbrow, um complexo abriga a Corte Constitucional – a mais alta corte judiciária do país – e o Complexo Old Fort Prision, uma prisão desativada que foi o destino de muitos ativistas anti-apartheid, incluindo Nelson Mandela e Mahatma Gandhi.
A estrutura permite compreender o funcionamento do sistema prisional durante o regime segregacionista, período em que até a quantidade de alimento era definida conforme a cor da pele.
O tour é (in)tenso e repleto de convites à reflexão sobre a desigualdade aplicada à reclusão.
Para programar sua visita, acesse o site.
Informações importantes sobre Joanesburgo
Quanto tempo: dois dias completos são suficientes para fazer todos os passeios listados acima.
Como chegar: do aeroporto até Sandton é possível ir, tranquilamente, de metrô. A estação é anexa ao aeroporto e o ticket pode ser comprado em dinheiro ou cartão. O trajeto de metrô leva cerca de 30 minutos. Já, de carro, 45 minutos. O Uber funciona bem na cidade.
Vale a pena
Se você estava na dúvida sobre incluir ou não Joanesburgo no roteiro, a porta de entrada de voos internacionais diretos com saídas frequentes do Brasil é também o primeiro passo para mergulhar na história e cultura da vastidão que compreende a África do Sul!
O Amabilices esteve na África do Sul e registrou a passagem por esses locais. Confira o vídeo:
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