La Paz é considerada a capital mais alta do mundo. Não é à toa que, quando chegamos à cidade, percebemos que ela é rodeada de montanhas sem fim (durante algumas épocas do ano chega a nevar nos pontos mais altos). A recepção na rodoviária de La Paz não poderia ter sido menos boliviana que o comum: várias crianças pedindo dinheiro, senhoras vendendo artesanatos e muita, mas muita mesmo, desorganização.
Para chegarmos no hostel indicado, pegamos um táxi. O taxista jurou saber onde era nosso hostel. Aí, depois de passarmos quase 30 minutos rodando, ele confessou que não sabia onde era o nosso hostel e acabou nos deixando em outro hostel que ele sabia o caminho. Graças à Deus a galera do hostel Loki (onde ele nos deixou) era bem informada e entendia nosso portunhol. Eles conseguiram nos direcionar para o hostel que iríamos ficar, o Wild Rover.
Na recepção do hostel mesmo já sentimos uma atmosfera muito boa, com um bar enorme e hóspedes de todos os lugares do mundo. Parecia que todo aquele perrengue do deserto havia ficado para trás.
Ledo engano! Naquele dia mesmo, o hostel estava promovendo uma festa enorme e um típico churrasco boliviano, regado a chuletas e uma salada de batatas muito parecida com nossa maionese. Nessa festa também haviam várias promoções de shots e cervejas (cada um servia-se de uma long neck de 1 L). Aproveitamos a festa noite adentro conhecendo muitas pessoas novas. No outro dia pela manhã, nosso corpo cobrou o preço de tanta diversão: dores de cabeça me faziam sentir todos os sinos das igrejas da Itália e Brasil tocando juntos sem parar. Achava que estava na pior, mas, o pior de La Paz ainda estava por vir…
Decidimos ir para um sítio arqueológico chamado Tiwanako. Nesse sítio, segundo contam estudos, os incas formaram a base de seu império e também faziam diversas comemorações ao Deus Sol e a Patchamama (Deusa da Natureza). O problema é que esse sítio encontra-se a 30 km de La Paz. Para chegarmos até ele, fomos de táxi em direção ao que parecia uma estação de vans de transporte alternativo. Após acertarmos os preços com um simpático motorista, nos posicionamos na van imaginando que ele logo partiria. Após 40 minutos de espera, percebemos que ele só sairia de lá após encher a van. Pensando nesta situação, decidimos rapidamente pegar outra van que estava saindo. Infelizmente, para que isso acontecesse, tivemos que discutir com o motorista que queria nos levar primeiramente e – depois – tivemos que achar espaço em uma van que já estava com 15 pessoas dentro.
A viagem até o sítio demora em torno de 30 minutos e quando você chega lá o seu primeiro pensamento é “O QUE EU TO FAZENDO AQUI?”. A atração é horrível, não possui estrutura, não possui guias, não possui nem um mapa que nos indique o que significava os locais e os símbolos e imagens escritos nas paredes.
Resultado: fizemos um passeio terrível, sob efeito de uma ressaca pior ainda.. Após acabar o passeio imaginávamos que poderíamos pegar qualquer ônibus que voltasse a La Paz. No entanto, conversando com alguns locais, descobrimos que viriam apenas mais 3 vans até o sítio – e que uma delas estava partindo naquele exato momento.
Ficamos muito apreensivos com a possibilidade de não ter como voltar nem termos onde dormir, mas ficamos atentos para que pudéssemos pegar as duas próximas vans. O nosso maior problema foi que, quando chegou a segunda van, as pessoas começaram a se aglomerar de um jeito que o carro lotou antes mesmo de pensarmos em entrar nele (inclusive com várias pessoas subindo no teto da van).
Quando percebemos que restava apenas uma van para, pelo menos, umas 30 pessoas para voltar embora, bolamos um plano de interceptar a van antes do ponto de chegada. Percorremos 4 quarteirões à frente e, quando avistamos uma van, logo nos jogamos na frente dela! O motorista não entendeu direito se era um assalto ou pessoas desesperadas para voltar para La Paz! O bom foi que ele parou. Mas, para nossa tristeza, ele nos informou que a van que nos levaria de volta para cidade não era aquela e nos apontou para uma van que estava indo rumo à multidão. Tomados de um misto de adrenalina e desespero, saímos correndo atrás da van como alguém que sai correndo atrás de água depois de passar alguns dias no deserto. Por sorte, conseguimos pegar a van antes de todas as pessoas entrarem nela e garantimos nossa volta para a cidade!DICA PRECIOSA DE LA PAZ: NÃO VÁ PARA TIWANAKU!
Chegando no hostel, eu queria saber de duas coisas: um banho quente e cama. Afinal, tínhamos que nos recuperar dessa insólita aventura, pois o outro dia nos aguardava com algo ainda maior! Iríamos descer a estrada da morte de bicicleta.
Acordando no outro dia e saímos cedo do hostel. É importante dizer que TODAS as excursões feitas na Bolívia PODEM e DEVEM ser contratadas no hostel, embora as vezes possa ser mais cara que uma agência de turismo (nesse caso era o mesmo preço). A segurança de que você não será enganado nem passado para trás faz valer a pena.
Para fazermos o passeio da estrada da morte pegamos uma van até o ponto mais alto da estrada. Lá, nosso guia nos passou instruções sobre como conduzir a bicicleta e sobre os perigos da estrada (sim, a estrada é, de fato, perigosa). Além de possuir movimento de carros e caminhões que a utilizam, ela não possui nenhum tipo de acostamento e se localiza no meio da selva boliviana – onde qualquer resgate torna-se praticamente inviável.
Ao começar o passeio, nos deparamos com muita neblina e pouca visibilidade. Conforme fomos descendo, a nossa visão foi clareando e pudemos vislumbrar a imensidão da selva e entender como o ser humano é tão pequeno frente a vastidão desse mundo. De maneira geral, é uma passeio MUITO RECOMENDÁVEL! Em momento algum você passa por insegurança e a paisagem vale muito a pena. Durante nosso percurso, uma das integrantes (uma menina da Inglaterra) acabou caindo em uma curva, mas isso acabou acontecendo mais por descuido do que pelo perigo da pista. No fim da trilha nós chegamos a cidade de Concha Bamba, onde pudemos passar o restante da tarde em um hotel com piscina e cervejas geladas. Merecido descanso já que o passeio da bike durou em torno de duas horas e meia.
Dormimos mais uma noite em La Paz. Dessa vez, fomos acompanhar a festa do hostel Loki, no qual fomos deixados de maneira equivocada. Para quem curte a vida noturna eu aconselho que fique no hostel, pois as grandes baladas de La Paz acabam sendo caras e não tem tantas pessoas interessantes como nos hostels.
No outro dia cedo fomos direto para a cidade de Copacabana. Isso mesmo! Igual à praia do Rio de Janeiro! A cidade fica na divisa entre Bolívia e Peru.
Diferentemente de Tiwanaku, ir para Copacabana é muito fácil e rápido. Esta cidade fica na beira do lago Titikaka – o maior lago na altitude do mundo (quando digo que ele é enorme, não é brincadeira! Da beira do lago é praticamente impossível ver a outra margem. As pessoas usam barcos grandes para se transportar de uma ponta a outra).
Chegando na cidade você não tem muitos atrativos para conhecer. Pegamos um hotel barato para passarmos apenas uma noite. Nosso plano era sair de lá diretamente para Cuzco. Fomos visitar uma igreja, a qual tinha uma placa gigante PROHIBIDO TOMAR FOTOS. No entanto, meu irmão resolveu desafiar a lei boliviana… já sabemos o fim disso! Um guarda que cuidava da igreja pegou a máquina dele e fez ele apagar todas as fotos, além de nos dar um sermão gigantesco.
No fim do dia resolvemos subir até o mirante de Copacabana. Detalhe: fomos nos informar de quanto tempo levaria para subirmos até a ponta e a pessoa nos disse que demorava em torno de uma hora a quarenta minutos. Como queríamos pegar o fim do dia, tivemos que subir um calvário de 1.200 em 20 minutos, com um grande detalhe: NA ALTITUDE, quando eu cheguei no pico, não sabia o que fazia primeiro, se enfartava ou respirava. Deu pra ter um gostinho de como jogador de futebol sofre na altitude. Mas, devo confessar que essa foi uma das melhores coisas que fizemos na viagem! O mirante era magnífico. Dele podia-se observar o outro lado do Titicaca e tive a oportunidade de admirar um dos pores-do-sol mais lindos de toda minha vida. Posso até dizer que, em beleza, chegou perto de sua irmã brasileira, nossa praia de Copacabana
Por fim, jantamos em um restaurante barato e fomos dormir super cedo pois a cidade não oferecia nada para se fazer após as 20h.
No outro dia cedo fizemos um passei de barco até as Isla de la Luna e Isla del Sol. Nelas, tivemos acesso a informações sobre como eram as técnicas de construção usadas pelos incas e como eles cultivavam seus alimentos, inclusive as técnicas de cultivos são utilizadas até hoje pela população que vive na beira do Titicaca. Por fim voltamos para Copacabana e começamos nossa via sacra rumo ao Peru.
O que era pra ser uma viagem calma e tranquila de ônibus até o país vizinho se mostrou uma verdadeira odisseia! Quando compramos nossa passagem em uma agência local, eles nos garantiram que o ônibus nos levaria de Copacabana até a cidade de Cuzco. No entanto, pouco tempo antes de embarcarmos, o proprietário da agência veio nos informar que não haveria a possibilidade de atravessarmos a fronteira pois os motoristas de táxi estavam fazendo um paro (greve em espanhol) conta medidas do, então governante, Evo Morales. Ações como bloqueio de estradas e apedrejamento de ônibus de turistas estavam nas ações comandadas pelo grupo de taxistas. Revoltados com a situação, organizamos um pequeno grupo de pessoas para conversarmos com o proprietário. Esse grupo parecia a torre de Babel: tinham coreanos, brasileiros, americanos e chilenos. Percebendo que não iríamos recuar em nossas reivindicações, o dono do ônibus decidiu que iríamos a pé até a fronteira com o Peru e de lá pegaríamos um ônibus rumo a Cuzco. No começo do trajeto não tivemos maiores problemas até que, após 10 minutos de viagem, uma van vinha no sentido contrário com pessoas que não haviam conseguido atravessar a fronteira. O motorista conversou com o dono da empresa de ônibus e eles acharam que seria possível arriscar, já que uma parte do trecho entre os dois países já tínhamos feito a pé e parecia que o maior bloqueio já havia passado
Na hora de nos acomodarmos dentro da van, nos sentamos no banco da frente. Já estava anoitecendo quando eu vi que a van em que estávamos tinha apenas um farol funcionando. Juro que me perguntei se esse era o padrão dos transportes coletivos da Bolívia! Enquanto eu analisava que a van tinha apenas um farol em funcionamento, eu reparei que o motorista também tinha um detalhe próprio: ele tinha apenas um olho aberto, o outro olho havia sido tirado em virtude de uma doença! Tentando achar tudo aquilo normal, mas preocupado com a situação, perguntei ao motorista se enxergar com apenas um olho e um farol não dificultava a direção, ele me respondeu que só ficava difícil dirigir a noite.
Até ai estava tudo acontecendo dentro do planejado. Nós estávamos chegando perto da fronteira com o Peru e logo pegaríamos o nosso tão sonhado ônibus, mas, como sabemos, a vida sempre nos pega por onde não imaginamos… Quando estávamos chegando próximo à aduana, dois carros ultrapassaram a van em altíssima velocidade. Ficamos sem entender muito bem o que estava acontecendo, quando, poucos metros à frente, nos deparamos com dois carros bloqueando a estrada. O motorista freou bruscamente e começou a discutir com os taxistas. Quando olho para o lado, descendo de um morro (com apenas um farol logicamente) era outro taxista e, como se já não bastasse toda a confusão armada, um quarto carro encostou atrás da nossa van. Naquele momento fiquei pensando qual seria o meu prejuízo se eu deixasse minha mochila para trás e saísse correndo para o Peru…
Quando todos os carros nos cercaram, o motorista começou a discutir e a anotar a placa de todos os taxistas e a discussão tornou-se muito ríspida, com uma aproximação de todos os taxistas em volta da nossa van. Nosso motorista, muito hábil, resolveu manobrar a van e sair daquela arapuca. Embora aliviado por não ter tido que entrar em uma briga boliviana, novamente me via aflito, pois não sabia se conseguiria sair daquele país naquela noite.
Eis que mais uma vez a vida nos mostrou mais uma surpresa. O motorista entrou no meio de um mato, ao que me pareceu uma estrada rural, desligou os faróis e começou a andar devagar nesta estrada de chão. Perguntei a ele o que passava e ele simplesmente me mandou ficar quieto. O silêncio era fúnebre no carro a tensão no ar era tão grande que podia-se cortar com uma faca. Ao lado, na estrada principal, víamos os taxistas andando para cima e para baixo com seus carros aos gritos de “ONDE ESTA LA VAN, ONDE ESTÁN TODOS?” e, vagarosamente, nosso motorista caolho nos levava em sua van com o farol apagado rumo a aduana.
Quando começamos a chegar perto da cidade o alívio foi tomando e finalmente poderia voltar a respirar em paz. Estávamos a poucos metros do Peru, parecia que o pior simplesmente havia passado
Mais uma vez eu estava enganado! Quando eu estava tirando minha mochila da van, um dos passageiros saiu da aduana correndo e dizendo: “It’s closing”!. Sim. A aduana da Bolívia fecha às 20h, bem como a do Peru. Naquele momento, olhei no meu relógio eram 19h56.
Largamos as mochilas para trás e fomos carimbar nossos passaportes na aduana da Bolívia. Na hora que saímos da aduana e nos direcionamos para a aduana do Peru, o escritório boliviano fechou as portas e o do Peru já estava com algumas luzes apagadas. Hoje eu fico me perguntando: E se não tivesse dado tempo? E se não tivéssemos conseguido carimbar o passaporte? Por fim conseguimos chegar em tempo na aduana do Peru e carimbamos nossa entrada no país andino.
Depois de tantos contratempos, finalmente, nossa próxima parada seria Cuzco!
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