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Patagonia Run km a km | por Vinicius Fabretti

Antes de contar um pouco dessa aventura pela Patagônia Argentina, tenho que contar um segredo: sabe aquele gordinho desengonçado que na escola ninguém escolhia pros times? Esse era eu! rs

O mundo das corridas aconteceu na minha vida como na da maioria das pessoas – por necessidade de emagrecer. Peguei gosto (depois de muitos meses!!!). Participei de várias corridas de 5 e 10 quilômetros, nove meias maratonas, uma maratona e, enfim, uma ultramaratona – e de montanha!

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Assim como algumas outras competições que participei, simplesmente me inscrevi, sem pensar muito. Terminar, era oooutra história.

A corrida ocorreu no sábado, 9 de abril, em San Martin de Los Andes, Argentina. Na terça-feira, dia 5, peguei um voo para Bariloche com escala rápida em Buenos Aires. Pra aproveitar, fiquei dois dias em Bariloche (ficaria semanas lá!). Todos os “boatos” se confirmaram. Paisagens deslumbrantes, vinhos excelentes e chocolates! Os chocolates são um caso a parte. Por vários pontos da cidade, a gente sente o cheiro das fabricas, da HAVANNA principalmente, e das cafeterias abarrotadas de chocolates!

De Bariloche fui para San Martin, de ônibus, pelo famoso caminho dos sete lagos, que tem paisagens sensacionais dos lagos e montanhas.

San Martin possui quase 30.000 habitantes. Se Bariloche dá vontade de ficar por semanas, em San Martin, eu moraria! A cidade, aconchegante, fica em um vale, envolto por várias montanhas e lagos. Lá se respira esportes radicais.

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No dia 7, a ansiedade já batia forte (dá-lhe chocolate). No dia 8, às 19h30min, houve a largada dos 130k. Sim, cento-e-trinta-quilômetros! Assim como todos, tinham até as 22h45min do dia 09 pra terminarem. Depois de ver a largada, adivinha… mais chocolates!

Larguei às seis da manhã do dia 9. Ainda escuro, fomos até a base militar de San Martin, bem ao lado das montanhas. Entre acordar e chegar na largada, aconteceu tudo tão rápido que não deu tempo de ficar nervoso. Éramos 270 corredores nos 70 quilômetros.

No escuro e com nossas lanternas de cabeça, começamos a subir por trilhas no meio das montanhas. Extasiado por estar ali – e muito curioso pelo que vinha pela frente (só vinha subida! Hahaha).

Seis quilômetros de 750m de altitude para 1350m, até o primeiro ponto de hidratação. Mesmo assim era obrigatório uso de garrafas ou bolsas de hidratação, lanterna de cabeça, apito de emergência e cobertor metálico de emergência. Continuamos subindo por mais sete quilômetros.

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No 16° quilômetro, uma grande parada – com direito a café, Coca-Cola, água, Gatorade, empanadas (!!!), frutas secas e frutas. Prontamente, todos ajudavam a repor hidratação e perguntar se estava tudo bem. Mas, logo (menos de 10 minutos depois) já te “mandavam embora”.

Matas fechadas, campos abertos, topos de montanhas em que conseguíamos ver lagos e paisagens. Trechos por onde só quem passasse a pé, veria! Aquilo me deixava sem palavras e eu só agradecia.

Com quase 30 quilômetros percorridos, já sentia dores nos pés e um certo frio constante. Já havia passado do meio dia.

Em todo momento, o medo era de me machucar ou ter câimbras. Mas sempre tive a certeza que não ocorrendo isso, terminaria.

Em um ponto de hidratação no quilômetro 37,5, via as pessoas chegando ao contrário e jogando seus bastões no chão, raivosos. Estavam voltando do temido Quinlalahue, uma subida de menos de cinco quilômetros com uma altimetria de 500 metros!

Ainda com dores, me perguntava se aumentariam ou seriam apenas constantes, comecei a subir o Quinlanlahue e realmente aquele cume não chegava! Foram quase três horas pra percorrer os cinco quilômetros. Quando consegui chegar e começar a voltar, não me contive, me emocionei, por conta do que estava conseguindo fazer, pelas dores, pelo rarefeito que dificultava mais ainda.

Durante a descida encontrei meu treinador, que tinha corrido 100 quilômetros e ainda tinha 30 pela frente. Ao final da descida tive as temidas câimbras. Alguns corredores me ajudaram com sprays de massagem e suplementos que auxiliariam. Fiquei 10 minutos intermináveis sem conseguir andar.

Existiam pontos de cortes. O primeiro eu tinha que passar antes das 17h e passei com folga. Mas, posteriormente, a conta não batia. Com 52,7 quilômetros, passei a apenas 40 minutos para me cortarem.

Por volta dos 55 quilômetros, já de noite, corri por um longo trecho aberto, com muito vento e chuva. Estava perto de 0 grau a temperatura. Rezei.

Aos 62 quilômetros, ainda feliz por passar por todos os riachos sem me molhar, ouço: tibum! “Hijo de puta!”. Me rachei de rir do argentino que nem sabia que estava na minha frente naquela escuridão. Só deu o Vinicius com o pé encharcado com temperatura quase negativa. Filho da puta mesmo! haha

No último ponto de corte e hidratação, passei as 20:42. Três minutos para me cortarem. Sim! Três minutos! Minhas pernas já não respondiam como eu gostaria. Mesmo assim, faltavam apenas nove quilômetros!

Mas de novo, a conta não batia. As pernas insistiam em andar ou parar, sem eu perceber. Mas o que me levaria até o final, seria minha cabeça. Foram 5 longos e intermináveis quilômetros finais, contornando a cidade de San Martin, ouvindo o locutor. Duas horas pra percorrer os últimos 9 quilômetros.

Na reta final, corri, como se estivesse bem. Veio um filme na minha cabeça de tudo. E lá estava meu treinador correndo do meu lado os últimos metros. Cenas que se repetem na minha cabeça sempre!

Posso dizer que foi uma experiência surreal, que pude sentir de tudo, raiva, dor, felicidade, pequeneza, grandeza, mas acima de tudo, gratidão.

San Martin me espera em 2017 com chocolates e 100 quilômetros de autoconhecimento!

2 Comentários
  • Cleo
    Postado em 20:42h, 19 maio Responder

    Uhullll!
    Parabéns Vini!👏🏻👏🏻👏🏻👊🏻

  • Luiza Scardua
    Postado em 15:09h, 20 maio Responder

    Li…Em um fôlego só…E foi muito bom, de maneira muito empática, re-fazer este seu trajeto com a tentativa de pensar os seus pensamentos e sentir seus sentimentos…Óbvio que, como “se” fosse você… O que mais me chamou a atenção nesta espécie de “diário de bordo”… Ou seria um registro de superação? Foi isso, a persistência e a sua superação. Enfim… Parabéns… Viajei no tempo e no espaço e só me restou lhe dizer: Muito orgulho…Bela passagem em sua vida!…Que venha outras tantas… E conte sim, do belo que existe nestas suas histórias… Pelos caminhos afora…O importante é o caminhar! Ou seria o correr? Que não deixa de ser um caminhar…

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Amabyle Sandri

Jornalista de viagens apaixonada por contar histórias. Criou o Amabilices para inspirar – e informar – quem ama viajar. Já visitou 13 países. Todos os outros estão na lista!